Lipoproteínas (Quilomicra e VLDL)


Mesmo os leigos cometem o pecado de dizer o nome das lipoproteínas em vão (eles não costumam saber o que dizem, no entanto - perdoai-lhes, ó Senhor!). Costumam ver seus rotineiros exames e comentar sobre HDLs, LDLs, e até mesmo VLDLs, sem ter muita noção sobre do que estão falando!
Nós nos pouparemos dessa Santa Ignorância:
Lipoproteínas existem para que todos os lipídeos, que de outra maneira coalesceriam no meio aquoso (impedindo o fluxo sanguíneo), possam circular. São uma mistura deles, os lipídeos hidrofóbicos (principalmente os triglicerídeos), no centro, com uma "capa" de fosfolipídeos (muito parecida com apenas uma das camadas da dupla camada lipídica que delimita o citoplasma), algum colesterol e uma parte proteica (a apoproteína - "apo", do grego: "por cima" - uma proteína que cobre a lipoproteína como a calda do chocolate que cobre a bola de um sorvete).



Se você pudesse estar sentado dentro de um vaso sanguíneo num corpo no estado alimentado, veria dois "veículos" (lipoproteínas) passando (há outros, mas nos concentraremos nesses):
Um deles, muito grande, a quilomicra, "lotado", "entupido" dos seus passageiros, os triglicerídeos (tão lotado que a sua impressão é que aquele veículo está prestes a explodir)! Você sabe de onde ele vem: vem do intestino, tendo passado pelos vasos linfáticos, antes de passar por aqui. Você sabe também para onde ele está se dirigindo: ao fígado (embora ele vá chegar lá "diminuído" - será chamado então de remanescente da quilomicra, porque boa parte da sua carga será "aliviada" - ou digerida - pela lipoproteína lipase do endotélio, a camada interna da artéria).
"Artéria de onde?" perguntará você.
Artéria do tecido adiposo (aí essa gordura digerida vai para depósito, novamente formando triglicerídeos)* ou do tecido muscular (onde será usada como energia pelos músculos).**


O outro "veículo" é o VLDL (very low density lipoprotein, lipoproteína de muito baixa densidade). Esse veículo, menor (com menos "passageiros", triglicerídeos) é mais robusto que o outro (tem tudo o que confere mais robustez à "capa": mais fosfolipídeos, mais colesterol e mais apoproteína). Desse você também sabe de onde veio: saiu agora há pouco do fígado. E também sabe para onde vai: volta pra "garagem" (para o próprio fígado!), também como remanescente, também "aliviado" da sua carga (é por isso que ele existe: para ir distribuindo parte dos seus "ocupantes" e da "carcaça proteica" pelo caminho, tanto para músculos e tecido adiposo - também, como a quilomicra! - além de transferir alguma coisa para o HDL, um dos outros "veículos", este sempre muito pronto a receber "passageiros" - que também se dirige para o fígado, assim como o outro, o LDL, também! Há espaço nessa "garagem" pra tanto veículo assim?).
Não esqueça, no entanto, que no período de jejum é como procurar táxi em dia de chuva: a frota meio que desaparece! Sorte que há, digamos, um "Uber molecular": é a albumina, que transportará (a preço baixo?) os ácidos graxos dos depósitos para utilização pelos tecidos.


*É assim mesmo: ácidos graxos para triglicerídeos, triglicerídeos para ácidos graxos, o tempo todo essa conversão vai se fazendo (em situações normais de alimentação), boa parte como um ciclo aparentemente "inútil" mas que serve para manter reservas de gorduras sempre prontas a serem utilizadas!

**Veja como esse tecido muscular é "fominha", ávido por energia: tem reserva de ATP de curta duração própria (fosfocreatina), tem reserva glicogênica própria (e não cede!), usa muito bem corpos cetônicos, faz alguma reserva de lactato para retransformar em piruvato e, ainda por cima, já "vai pegando" a gordura "fresquinha da alimentação" (da quilomicra, mas também do VLDL) pra ele!

Comentários

edo disse…
baita texto, amigo. Sou estudante de medicina e, após muito procurar na internet, consegui encontrar teu conteúdo - mais coeso do que aquele encontrado em outros sites.
Parabéns!
Anônimo disse…
MUITO BOM!!!!!!! Ajudou demais.